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domingo, 19 de abril de 2009

: Direitos e o que é cidadania.

Um dos méritos da Revolução Francesa em 1789 foi o de acabar com o Antigo Regime. De acordo com Martinez , o poder revolucionário ruiu as bases do absolutismo, alicerçadas nos privilégios da elite, os nobres, o clero e a monarquia. Entre outras, a burguesia, classe em ascensão, preocupou-se em estabelecer alguns pontos. Entre os pontos mais importantes, pairava a preocupação do que deveria ser demolido ou preservado. Quanto às pretensões das massas populares, era preciso determinar através de promessas as aspirações populares de igualdade, liberdade e fraternidade.
O que se conhece como cidadania teve suas sementes lançadas no século XVIII, como o Iluminismo. Ou seja, o uso da razão, o desenvolvimento da ciência, um novo conceito de classes sociais, fizeram surgir novas concepções ideológicas sobre o homem.
Foi na Inglaterra e na França, países mais desenvolvidos até então, que a burguesia se sobressaiu como uma força ascendente. Enquanto isso, a nobreza, a monarquia e o clero dominavam a economia e a política. A burguesia, não possuía títulos de nobreza,, não descendia de famílias de nobres ou do clero. Mas, controlava o comércio, a exploração colonial, a indústria que surgia e sustentava a economia monárquica e mais, impulsionava o desenvolvimento científico, tecnológico e apoiava as artes. Com tanto poder nas mãos, a burguesia procurou se destacar da massa, do povo, e buscou uma igualdade até mesmo entre aqueles que estavam no poder.
Essas transformações são como um processo revolucionário, o qual se deu por fases intercaladas temporal e espacialmente. Todavia, na França, as transformações sociais e políticas ocorreram de forma mais extrema, culminando na derrocada brusca do Antigo Regime. Sob um novo olhar, o científico, uma concepção de um universo em constante movimento, o homem buscou a liberdade e seu progresso. A partir da queda do Antigo Regime, a burguesia deixa de ser classe popular, cedendo seu lugar ao proletariado.
Entre os ideais filosóficos e a realidade existem algumas diferenças. Homem real e cidadão são distintos quando se trata de uma nova forma usada para justificar a dominação conhecida, em virtude de uma nova ordem social e econômica nascida com a com o expansionismo industrial. Lembrando da sociedade no sistema feudal, a transição para o capitalismo, destacando-se a Inglesa, pela Revolução Industrial, formou-se classes de trabalhadores livres, artesãos e camponeses. Um novo tipo de sistema, onde cada indivíduo executava uma tarefa nas várias fases de produção, acabou por criar um novo tipo de homem, individual, mais unitário. Era, assim, a tecnologia separando e redefinindo o papel do homem na sociedade. Uma sociedade na qual o homem se distanciava do que era conhecido como comunitário. E cada vez mais os direitos e condições materiais eram retirados do trabalhador. Entretanto, os industriais, os comerciantes e os banqueiros – a burguesia ascendente – acumulavam mais lucros e riquezas. Conceituando cidadania, associando-se à burguesia e não à massa, ao povo, teremos, até menos pela origem etimológica da palavra, impõe-se assim uma separação entre o homem da cidade e do campo.
Com a definição burguesa de cidadão, uma ideologia de poder se formara, para justificar a dominação de uma classe sobre a outra e, repassar o ideal ilusório de igualdade. Entre as definições de cidadão, era então, ser sujeito de direitos e deveres. Porém, com tantas mudanças pelas quais passaram a sociedade e a economia, os conceitos de direitos e deveres também sofreram alterações. E tais alterações influenciariam apenas os direitos e deveres do homem das classes mais baixas. A participação da massa popular na sociedade estava condicionada à proporção de suas posses materiais. A aparente igualdade entre todos proporcionada pela lei não faria desaparecer as discrepâncias no que dizia respeito à liberdade de expressão, votar e ser votado e aos direitos à educação ou à venda e produção de bens.
Considerando homem real e homem cidadão, há alguma distinção entre o que se conhecem como direitos humanos e direitos de cidadania? Direitos humanos são então tudo que se relaciona com a preservação à vida. Ou seja, direito à alimentação, abrigo, segurança, moradia, saúde etc. Direitos de cidadania relacionam-se com a participação política e social. Liberdade de expressão, votar e ser votado etc. Todos os homens nascem com direitos universais, que posteriormente, transformam-se em particulares. Durante sua vida, os direitos do homem tornam-se interdependentes. Daí surgem as bases de lutas e das reivindicações. Entre elas, o homem reivindica o direito de voto, a redução da jornada de trabalho, moradia, alimentação, constituição de associações, liberdade de expressão etc.
O termo liberdade possui sentidos diferentes em relação ao homem e ao cidadão. Grosso modo, trata da privação do direito de ir e vir, não ser molestado física e moralmente, escravizado ou da preservação de sua vida. No Brasil, os direitos de cidadania, seus avanços e retrocessos vêm carregados com os costumes da sociedade colonial. E por não terem sido abolidos ou renovados, constituem-se em entraves para o desenvolvimento de relações sociais mais justas. Esses obstáculos legados da época colonial criaram preconceitos não somente quanto aos aspectos materiais, mas também sob a origem social, etnia, sexo, faixa etária e cultural. Pode-se constatar claramente a discriminação nas relações de produção e de trabalho entre o campo e a cidade. Os direitos do homem do campo não são iguais aos do homem da cidade, mas, sim, até menores.
Em quaisquer circunstâncias, por mais sérias ou não, o homem é norteado pelo pensar e agir, de acordo com os conhecimentos de que dispõe. Todavia, isso não importa. O que tem consistência é o fato de que o homem quase sempre reflete sobre seus atos praticados. É certo de que o cidadão formado procura se situar dentro do contexto no qual está inserido. A educação tem como objetivo atuar como um elo entre alguns valores éticos e morais com a prática.
É prática usual em quase todo o mundo de que a maioria das leis divide-se em direitos e deveres. A constituição brasileira, promulgada no dia 05 de outubro de 1988, por exemplo, traz uma gama variada de princípios, mas ao mesmo tempo, nega alguns direitos. Outro direito que desde os primórdios da civilização tem sido desrespeitado é o voto. Critérios restringiam o acesso do indivíduo político. Como por exemplo, tais critérios restritivos se davam por conta da posição social, econômica, sexo, idade etc. Cidadania é por excelência efetivada pela conquista concreta de direitos e existência e da participação nos mais variados segmentos sociais e políticos. A participação como ação política se destaca na forma coletiva. E como instrumento fundamental para a formação da consciência política, a eis que a educação aparece em destaque. E pela restrição da educação, que o Estado autoritário procura diminuir a capacidade de raciocínio crítico, ofertando um ensino voltado mais para a formação do para o trabalho do que para a formação humana e cidadã. A ONU, (Organização das Nações Unidas), em 1948, proclamou como universais os preceitos iluministas e da Revolução Francesa dos direitos humanos, ratificada e promulgada na Conferência Mundial de Direitos Humanos. A declaração Universal dos Direitos Humanos teve como meta convencer todos os países de que deveriam aprovar leis que coibissem práticas que visassem a preservação da vida como forma do desenvolvimento democrático. Todavia, o desrespeito aos direitos humanos parece-nos que é uma regra entre aqueles que decidem o destino do mundo.
Dentro da própria conferência, a China, que acabara de invadir o Tibet, impediu a participação do Dalai Lama, líder espiritual budista ao evento. Outro caso que coloca em xeque a lisura e as boas intenções dos governantes mundiais presentes na Conferência Mundial de Direitos Humanos fora a aprovação da criação de um órgão na ONU, liderado pelos Estados Unidos, cujas funções seriam de intervir, com força armada, se necessário, em outros países. É muito fácil aprovar leis que propõem a preservação da vida humana. Mas, em guerras como o conflito da Bósnia-Herzegovina, vários direitos humanos aconteciam debaixo dos olhos da Onu. Crimes contra civis, entre outros como, tortura, estupro, discriminação étnica etc. Ao que tudo indica, direitos humanos, prosperidade econômica e democracia são praticáveis apenas quando o mundo não está em guerra. Um outro ponto a ser discutido sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi a sua aprovação, ou melhor, a sua imposição. Algumas décadas depois, alguns países asiáticos questionaram unto à ONU alguns preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esses países questionavam a questão cultural e religiosa voltada apenas para o mundo cristão ocidental.
Os países asiáticos que interpelaram contra a ocidentalização da Declaração dos Direitos Humanos alegaram que tais leis interferiam até na soberania nacional de todos eles. Como resposta, a ONU tentou aprovar medidas punitivas aos países asiáticos. Entretanto, as decisões da ONU contra os países asiáticos foram inócuas. No Brasil, o desrespeito à cidadania é uma prática que vem desde os tempos da invasão portuguesa no século XVI. Isto é, ocorrem com as populações de indígenas, de negros, mulheres e com os pobres. Mesmo com uma gama de direitos estabelecida pela Constituição Federal, o cumprimento de tais direitos fica aquém do que se pretende. Os colonizadores portugueses de início tentaram impor sua cultura de “homem branco civilizado” levados pela concepção do etnocentrismo, ou seja, o outro, o índio, ainda estava no modo de vida primitivo. Então, os portugueses, crendo ser a cultura européia mais avançada e superior, solaparam a cultura indígena, através da catequização e introdução do trabalho forçado.
Perseguições, genocídio generalizado foi uma prática comum e usual, tanto pelos colonizadores quanto pela Igreja. Atualmente. O índio encontra-se reduzido a números irrisórios. Algumas tribos encontram-se em estado de miséria. Muitas aldeias se localizam próximas de cidades. Sem nenhuma reserva descente, com matas, cursos d água e outros recursos que possam colocar o índio mais próximo de seu habitat natural. Outras tribos, habitando em reservas que proporcionam uma vida mais próxima da que tinham em seu habitat natural, passam por problemas da mesma natureza como a miséria e ainda, por invasão de suas terras por grandes fazendeiros, grileiros, indústrias de mineração e extrativismo vegetal, garimpeiros e toda a sorte de religiões cristãs. Não muito diferente do índio, o negro também tem no Brasil um tratamento vergonhoso. Desde a implantação do sistema escravista no Brasil, um modelo que não respeitava de antemão, a liberdade natural, a exploração do homem pelo homem, ainda se fez sob a privação de direitos mínimos, muita tortura, privação dos direitos à religião e à cultura negra. O que o negro africano fez então, desde que aqui, no Brasil chegou, foi fugir organizar-se em quilombos. Os quilombos foram importantíssimos na luta dos escravos pelo direito à vida. Na organização do quilombo estava, entre outras, a luta pela liberdade, contra os maus-tratos e previa-se uma produção de alimentos em comum, pela agricultura, da caça e da pesca. (Martinez, 1996) Era uma forma de resistência contra a dominação do branco, que queria viver às custa do negro, e este último, querendo ser livre, tomarem suas próprias decisões, segundo Martinez , era uma guerra entre dois povos, duas civilizações. Nem mesmo com a abolição da escravidão, o negro pôde ter seus direitos assegurados nas leis respeitados.
Há no Brasil uma democracia racial velada, ou seja, a discriminação impede que o negro tenha as mesmas oportunidades na sociedade porque seus direitos não são respeitados, e as leis que existem não são cumpridas. Isso acarreta uma série de anomalias sociais. Entre as anomalias está o desemprego, trabalhos mais degradantes e salários inferiores. No caso da mulher, alguns direitos foram reconhecidos há poucas décadas atrás. Por volta das décadas de 1960 e 1970, quando, a partir de um crescimento econômico da indústria, a mulher foi ocupando alguns postos de trabalho devido à demanda por mão-de-obra. A participação da mulher no mercado de trabalho deu-se também por motivos de recessão econômica, forçando-a na complementação do orçamento familiar. Mesmo tendo conquistado vários direitos e ter sua igualdade ao homem reconhecida, ainda assim, a mulher sofre de discriminação social. A mulher, mesmo equiparando tecnicamente ao homem, ainda recebe salários inferiores e ocupa menos cargos de relevância no mercado de trabalho. Um direito adquirido por lei, pela mulher e que sempre é desrespeitado é o direito à maternidade. O empregador sempre procura meios para demitir a mulher grávida, até mesmo porque a maioria das empresas não possui ou não se interessam em ofertar uma creche para suas funcionárias. E para piorar a falta de respeito à cidadania da mulher, muitas delas são esterilizadas sem o próprio consentimento. Crime de violência contra a mulher ainda são freqüentes, e para inibir essa prática, de uma sociedade patriarcal e machista, foi preciso criar delegacias especializadas em crimes contra a mulher.
A pobreza é de certo um problema social, para quem se encontra nela. O cidadão pobre é discriminado por vários fatores. Etnia, cor da pele, sexo, faixa etária, credo etc. Estando a maior parte das terras do Brasil nas mãos de uma minoria, os pequenos proprietários, quando acuados por dificuldades financeiras ou por fenômenos climáticos que assolam o país, vêem-se obrigados a vender sua força de trabalho. Esses trabalhadores tornam-se bóias-frias, sem nenhum mecanismo trabalhista que os ampare. A migração de trabalhadores rurais, a procura de empregos nos grandes centros urbanos torna grande a oferta de mão-de-obra barata, facilitando a ocorrência de trabalho escravo, em condições subumanas.
O conceito de cidadania é o que se pode dizer de tudo que se conhece por direitos humanos. A elaboração dos direitos humanos do homem já vem de longas eras, desde o momento em que a humanidade iniciou a construção da vida em sociedade. Ainda há muito que ser feito. Entre elaborar leis e fazê-las serem cumpridas. A única lei que deve ser indeferida é a lei do mais forte.


MARTINEZ, Paulo. 1933 – Direito de cidadania: um lugar ao sol.
São Paulo. Martinez. – São Paulo: Scipione. 1996. (Ponto de apoio)

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