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domingo, 19 de abril de 2009

LUTAS URBANAS

A questão da moradia é um dos fenômenos responsáveis pelos movimentos que reivindicam melhorias em comunidades urbanas. Conforme diz Maria das Mercês Gomes Samarriba, as formas de associação, ligadas principalmente às lutas populares nos grandes centros urbanos têm chamado a atenção dos setores públicos e da imprensa em geral. (SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984.p.15) O crescimento urbano nada mais é do que a expansão do sistema capitalista, ou seja, a concentração dos meios de produção e da força de trabalho. E, o Estado, quando não se propõe a fornecer os meios necessários para a ocupação urbana, assim como os meios de consumo, torna piores as condições de vida da classe operária.
Cada serviço nos meios urbanos tem um preço. Esse preço está no valor do aluguel ou do imóvel propriamente dito, que é fixado de acordo com a existência de serviços, como escolas, transportes, assistência médica, entre outros, oferecidos próximos da localização do imóvel. A degradação das condições de moradia da massa popular faz com que surjam conflitos sociais e, desses, a organização dos movimentos sociais. Os movimentos sociais possuem características distintas, mas, grosso modo, estão baseados na luta pelas melhorias da reprodução social do trabalhador. Seja pela questão da saúde, transporte, educação, moradia ou outros, como a exploração do mercado de trabalho, visando à mudança na relação social de poder, Mas, em sua essência, são movimentos que agem direta e indiretamente pelo acesso do coletivo aos equipamentos urbanos, Têm uma composição bem eclética da população e, seu alvo principal é o Estado.
Quando se trata do coletivo e da reprodução social, básica e essencialmente não se quer dizer apenas das condições de melhorias proporcionadas pelos salários. É preciso lembrar que velhos e crianças, que não são consumidores, possuem necessidades de bens de consumo duradouro e necessidades especiais, como a assistência à saúde e a formação profissional. Estes bens de consumo duradouros são de responsabilidade do Estado. Devido às crescentes exigências de qualificação dentro da divisão sócio-técnico do trabalho a classe trabalhadora vê-se forçada às reivindicações de melhorias de sua reprodução social. Segundo Samarriba, os bens e os serviços de consumo assumem importância de sustentação da economia. (SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984, p.19)
Se a força de trabalho possui boas condições de reprodução social, as suas necessidades de consumo de bens e serviços urbanos dão sustentação ao mercado e ao capital. O Estado quando proporciona o acesso das camadas populares aos bens e serviços de consumo, está atuando como mediador do mercado, tentando imobilizar um setor, a mobilização popular contra si e contra a funcionalidade do sistema de produção. (SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984. p.22) Quando o Estado cria instituições para prover as necessidades coletivas, essas mesmas instituições acabam por fornecer à classe trabalhadora meios de luta contra os subsídios do Estado ao capital privado. Esses meios seriam, então, a insuficiência de bens e serviços de consumo, como por exemplo, àquelas classes que não estão ligadas ao setor produtivo. Assim, conforme Samarriba, os trabalhadores tenderiam a organizar-se em reivindicar do Estado equipamentos coletivos em quantidade suficiente ao desenvolvimento social e econômico. (SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984. p.23)
No Brasil, diferentemente dos países aonde a industrialização se originou, a relação classes populares, Estado e os meios de produção tem se pautado por questões bem distintas. Enquanto que, nesses países onde a industrialização se originou a classe operaria foi absorvida com mais intensidade, no Brasil, a indústria já fora implantada com necessidades de uma força de trabalho com capacidade técnica específica. Isso, por sua vez, segundo Samarriba, essa exigência da recém-chegada indústria no Brasil fez com que houvesse uma massa cada vez maior de desempregados. E ainda mais, essa massa de trabalhadores foi concentrando-se nas periferias das grandes cidades brasileiras. A implantação de recursos urbanos, como escolas, novas ruas, transportes mais rápidos, redes de água e esgoto, unidades de saúde, entre outros, que atendessem o crescimento populacional urbano era urgente.
Todavia, a crescente classe trabalhadora brasileira não nascera assim como a classe trabalhadora na Europa. Esta última se formara junto com a industrialização. No Brasil, o proletariado já vinha de um processo de exclusão política nesse contexto. A representatividade do proletariado europeu nascera nos movimentos operários. A representatividade do trabalhador no Brasil nascera da intervenção das classes dominantes e do Estado. E com o objetivo de consumar a não intervenção da massa trabalhadora e sua efetiva neutralização nas decisões políticas, o populismo assume o paternalismo da classe trabalhadora, indo de encontro às necessidades de regulamentação da legislação trabalhista. Entretanto, no campo da política de expansão urbana, a omissão do Estado deixou que a iniciativa privada provesse a construção de vilas e bairros e a especulação imobiliária com a total falta de recursos necessários à reprodução social do proletariado. (SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984. p.27)
O populismo indiretamente deu à classe trabalhadora instrumentos que lhes permitissem formar uma consciência de que a reivindicação era o caminho a ser trilhado. Formou-se a partir daí o associativismo pela luta de melhorias das condições de vida urbana, baseado na idéia de que o Estado era, e o é, responsável em atendê-las. Ao buscar as melhorias, os movimentos populares organizados não percebiam que o faziam por desconhecer suas raízes políticas, mas simplesmente, estavam questionando a legitimidade do poder do Estado.
No regime militar, os movimentos reivindicatórios assumem uma postura diferente. Passou-se a existir uma relação mais próxima das organizações partidárias. A partir daí os movimentos organizados urbanos deixaram de lado a idéia de que as melhorias proporcionadas pelo Estado eram simples e puramente uma dádiva, mas uma obrigação.
A formação de várias cidades, por planejamento, a ocupação das áreas nobres deu-se do centro para a periferia. Mesmo assim, a especulação imobiliária sempre se faz presente, na maioria das cidades brasileiras. A especulação imobiliária passa pela compra de lotes na área urbana nobre a preços ínfimos. Isso faz com que poucas pessoas se tornem proprietárias de muitos lotes.
Era comum que o Estado procurasse distribuir a ocupação das áreas centrais urbanas. A massa operária, por exemplo, é direcionada para áreas distantes do centro urbano. Em Belo Horizonte, por exemplo, para ter direito a um lote, a prefeitura colocou algumas medidas. Somente receberia o lote aquele considerado como operário padrão. Era preciso também que dois dias por ano fossem dados em trabalhos voluntários para a conservação das ruas. Outras melhorias também eram exigidas para ter o direito à compra de um imóvel. Cercar com muros, instalar água e colocar meios fios e proibia-se de abrir casas comerciais. Estava se criando em Belo Horizonte uma prática que mais tarde seria adotada em vários outros centros urbanos, ou seja, áreas tipicamente destinadas aos operários e com elas, pouca infra-estrutura. O resultado disso será, então, o aparecimento de favelas e outros bairros desprovidos dos principais equipamentos públicos, como o poder público dotava nas áreas centrais. As massas populares começam a se organizar em movimentos reivindicatórios a partir de entidades políticas e eclesiais, essas últimas, com a construção de templos nas vilas operárias. Mais tarde, com a criação das câmaras municipais de vereadores, cujas aspirações poderiam ser concretizadas na eleição de representantes oriundos dos bairros populares.
Todavia, com o Estado Novo, em 1937, toda a mobilização popular sofre uma parada brusca com a repressão. O Estado Novo propõe uma assistência maior à massa como discurso preparatório para cooptar os movimentos organizados. Somente em 1974 que os movimentos populares começam a reaparecer no cenário nacional. Retornando às décadas de 1946 a 1964, começam a germinar dentro dos diretórios políticos, os protótipos do que seriam mais tarde conhecidos como associações comunitárias, os Comitês Pró-Melhoramentos de vilas e favelas. Na década de 1950, Aparecem em Belo Horizonte a Federação dos Trabalhadores Favelados, com mais de 50 associações filiadas.
No início do regime militar, todos os movimentos são bruscamente esfriados. As lideranças dos movimentos que representavam as favelas foram presas. Projetos e leis foram criados para tentar minimizar a exclusão social dos moradores de favelas, mas nunca surtiram o efeito esperado. As favelas de Belo Horizonte, de problemas sociais, passaram a problema de segurança policial. (SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984.p.47). Mesmo com toda repressão, a ditadura militar deixou escapar um espaço possível de reivindicação por melhorias das condições de vida através da atuação de vereadores, mais tarde, pelos assuntos inerentes à defesa ecológica e pelo protesto de trabalhadores contra o sistema de transporte coletivo. Foi nesse deslize democrático que, também surgiu em Belo Horizonte, a imprensa de bairro. Pequenos jornais cujas matérias eram visadas pela organização e surgimento dos movimentos comunitários.
Em 1978, segundo Samarriba, o governo federal acena com possibilidades de uma flexibilização política. Nitidamente o número de associações começa a aumentar. A participação das entidades comunitárias torna-se cada vez mais um fator de interesse nacional. O Ministério do Interior e outros órgãos federais passam a incluir em seus objetivos o desenvolvimento comunitário. (SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984. p. 51) Mas, a partir de 1974, as associações começam a reivindicar mais, até mesmo a nível nacional.
Pode-se verificar que depois da abertura política no início da década de 1980, os movimentos comunitários sofreram um arrefecimento devido à repressão da ditadura militar. Todavia, nota-se que a participação da população é modesta, ficando todos os encargos das reivindicações e mobilizações sobre os membros da direção das associações comunitárias. A maioria das entidades comunitárias define sua postura como apolíticas. Entretanto, a intermediação de homens públicos faz-se necessária. Mas, porque as associações têm que se submeter aos favores de políticos quando necessitam de uma melhoria pugnada pela população do bairro que representa? Alguns programas públicos exigem que as associações sejam legalmente constituídas.
O sucesso de uma associação está intrinsecamente ligado ao sucesso de suas demandas. (SOMORRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984) A participação dos moradores em reuniões mensais varia muito. Isso pode se ocorrer quanto ao tratamento do presidente da associação para com os moradores. Outro fator importante para um bom desempenho de uma associação de moradores é possuir uma relação estável e amigável com os políticos e demais setores da administração pública. A representatividade de uma associação de moradores faz-se presente na autuação de sua diretoria, e isso conta e muito também para um bom desempenho e mobilização dos moradores.
Com relação aos conjuntos habitacionais construídos pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), algumas associações de Belo Horizonte tiveram problemas para enfrentar a inadimplência dos mutuários junto a esse órgão. Coletar dados que podem ajudar numa possível batalha contra o BNH pode se tornar uma tarefa difícil quando alguns moradores até mesmo ex-diretores se mudam. Após a década de 1971, quando o BNH deixou de ser o agente financiador dos conjuntos habitacionais passou essa função a órgãos como a Economisa, entre outros, a inadimplência dos mutuários passou a constituir um sério problema, visto que, o BNH não executava judicialmente as ações pela falta de pagamento das prestações. O que passou a acontecer com a Economisa. Os acordos feitos entre os mutuários e a Economisa não eram de todo satisfatórios para os mutuários. Todas as propostas, além de serem inviáveis, também não agradavam aos mutuários, isso porque a maioria deles não eram os proprietários originais. Quando os imóveis vão a leilão, é muito comum que os atuais ocupantes deles sejam intimados, assim como fez a Economisa em Belo Horizonte, na década de 1971, conforme SOMORRIBA, VALADARES, AFONSO descrevem abaixo:

“Ninguém assistiu ao leilão das casas do Bairro Nações Unidas, realizado ontem, em Sabará... Nem mesmo os mutuários cujas casas estavam sendo leiloadas quiseram aparecer, apesar de terem sido todos intimados.”

Ao que nos parece, a repressão dos órgãos do sistema habitacional no Brasil vem, além das ameaças de despejo até a intimidação dos mutuários. Para restringir uma ocupação dos mutuários despejados, a Economisa montou um sistema de segurança particular.

Tudo isso pode ser conseqüência de uma inexpressiva atuação da associação de moradores do bairro. É muito comum em vários lugares, as associações sofrerem da falta de infra-estrutura, como sede própria, serviços de telefonia etc. Uma dificuldade encontrada para uma participação efetiva dos moradores junto às associações de moradores são os estatutos e suas restrições. Há em alguns estatutos, artigos que normatizam as questões das candidaturas, limitando a membros que freqüentam com assiduidade as reuniões. Um aspecto que pode ser observado em algumas associações é o da assistência social. Quando a entidade atua nessa área, a participação dos sócios torna-se mais substancial. (SOMORRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984.p.90) Outra característica comum às associações de moradores é a participação das CEBs, Comunidades Eclesiais de Bairro no auxilio em sua fundação e formação das. Algumas associações chegam a utilizar os salões paroquiais como sedes de reuniões. A mobilização da comunidade é uma das tarefas essenciais realizadas pelas CEBS. Além disso, os discursos dos religiosos trazem aos moradores as idéias de organização e participação comunitária.
A convivência das associações com os políticos pode desencadear certo ciúme entre seus membros. São tantos partidos que, os diretores, e até mesmo os moradores, ficam com ciúmes de pedir ajuda a esse ou aquele político. Pode-se também observar que a relação constante com os partidos políticos pode ser objeto desse mesmo ciúme e gerar debates e embates, conforme observaram SOMARRIBA, VALADARES, AFONSO, 1984. p. 113. Observou-se que algumas associações têm uma expressiva participação de sócios a partir da organização interna que possuem. Exemplo disso é a divulgação dos trabalhos realizados e de como funciona uma associação, através de boletins informativos internos. Uma forma que algumas associações bem organizadas encontraram para chegar a uma autonomia, ou seja, atuarem sem a intervenção direta ou indireta de políticos foi a proibição da reeleição de seus membros para o mesmo cargo. Assim, evita-se a cristalização de lideranças.
O movimento associativo em Belo Horizonte, desde que surgiu, junto com a fundação da cidade, esteve presente nas reivindicações por melhorias sociais do meio urbano. Cada movimento teve suas características próprias dentro do contexto social em que estava inserido. É notória diferença entre os movimentos dos estratos médios e altos para com os estratos mais baixos. Enquanto as primeiras estiveram mais presentes na assistência social junto às comunidades carentes, as últimas se colocaram na reivindicação de melhorias urbanas. Desde então, o Estado também assumiu uma postura diferente. O Estado passou a prover os bens de consumo coletivo, como energia elétrica, água e esgoto, escolas e transporte coletivo etc.
A atuação dos movimentos comunitários em Minas Gerais foi influenciada pela conjuntura política. E não poderia ser diferente. Quanto à participação dos moradores, essa é influenciada diretamente pelo sucesso das empreitadas pelas associações de moradores. Estudos mostram o crescimento do numero de associações de moradores, mas a participação dos moradores continua condicionada ao sucesso de suas reivindicações, e para isso, se organizam em comissões de trabalho, principalmente em assuntos de crise.


Referências bilbiográficas:

SOMARRIBA, Maria das Mercês Gomes, VALADARES, Maria Gezica, AFONSO, Maria Rezende. Lutas Urbanas em Belo Horizonte. Ed. Petrópolis. Belo Horizonte, 1984.

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