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domingo, 19 de abril de 2009

QUESTÃO DA MORADIA

Moradia: o capitalismo e o déficit habitacional


Segundo Ribeiro & Pechman, a questão da moradia pode ser uma criação de uma conjuntura econômica ou fatores diretamente intrínsecos com o capitalismo industrial, (Ribeiro & Pechamn, 1983. p.12). Analisando sob a perspectiva do capitalismo industrial, buscou-se explicitar como se formaram as cidades européias, cujas transformações urbanas se acentuaram na passagem da manufatura rural para a grande indústria. Na manufatura rural, as famílias produziam mercadorias e a sua própria subsistência. Quando a manufatura rural deixa de existir, em detrimento do avanço da grande indústria, o trabalhador rural passa de produtor a subordinado do capital. Nesse contexto, surgem correntes políticas, as quais diziam estar preocupadas com as dificuldades dos camponeses destituídos de seus meios de produção. Tais correntes, segundo Ribeiro & Pechamn, pretendiam transformar os trabalhadores em proprietários de moradias, o que, grosso modo, para o socialismo cientifico era utópico, ilusório e não conduziria de maneira alguma a classe operaria à luta revolucionária.

Aos trabalhadores rurais, os salários eram apenas uma forma de complementação da renda familiar. Tudo que era necessário á subsistência familiar era produzida. A idéia de que tendo posse de sua moradia, o trabalhador estaria garantindo condições mínimas de sobrevivência. Por isso, nada mais oportuno lembrar que, a burguesia sempre vive se enriquece às custas dos salários pagos ao proletariado. (Ribeiro & Pechman, 1983 p.16)


Aumento da força de trabalho. Crise no sistema imobiliário


A crise de moradias foi marcada desde a revolução industrial tecnológica pela destruição das manufaturas familiares que acarretou um fluxo migratório de camponeses para a cidade. O capital industrial criara muitos empregos, já que o trabalhador rural, destituído de suas terras, viu-se obrigado a vender sua força de trabalho. Com essa geração de empregos, também foram necessárias algumas melhorias nas infra-estruturas das cidades. Assim como a indústria, o Estado deveria fornecer uma serie de reformas que possibilitem a absorção de uma grande massa de novos habitantes nas cidades. Criação de sistemas de abastecimento de água, postos de comércio, rede de transporte publico entre outras.

A grande massa de trabalhadores que chegava às cidades procurava casas no centro, onde fica mais fácil o acesso ao emprego. Todavia, existia um déficit imobiliário. O número de imóveis não era suficiente para abrigar a todos. Com o déficit imobiliário, surgia um novo problema: não tendo moradia suficiente, os trabalhadores construíam pequenos cômodos, sem a mínima estrutura de saneamento básico. Nesse aglomerado de casas improvisadas, surge a consciência de classe, e também, as epidemias, que, por sua vez, ameaçam a saúde tanto da massa proletária quanto da elite burguesa.

É importante lembrar que a disseminação das idéias, uma consciência de classe e a falta de higiene básica fomentavam o receio da burguesia industrial, que ainda tinha temor de insurreições como a Comuna de Paris tão presente na memória de todos. A burguesia tratou de rapidamente promover reformas que visassem uma ampliação do sistema habitacional. Era preciso construir mais moradias. Segundo Ribeiro & Pechman, como acontecem em outras áreas da produção de bens e mercadorias, o capital voltou-se para o setor da construção de moradias, desde que fosse rentável. (p.24)


Sistema imobiliário: um setor deficiente.


Quando é enfatizada a necessidade de um sistema eficiente no setor de moradias, é preciso lembrar que para tal fazia-se necessário considerar certos entraves. Entre eles, a concentração da maioria dos terrenos nas mãos de uma pequena parcela da burguesia industrial. Outro fator importante era a inexistente política habitacional do Estado. Nesse caso, o Estado deveria garantir ao proletariado uma política habitacional com financiamentos em condições favoráveis e que possuísse áreas livres para evitar o crescimento urbano menos concentrado e menos desordenado. Ainda nesse caso, a concentração da maioria das terras nas mãos de poucos proprietários, fez com que a especulação imobiliária procurasse obter lucros médios sobre a mercadoria: a terra.
Segundo Ribeiro & Pechman, a posse da terra como mercadoria não possui a mesma valorização do capital como outros meio de produção, ou seja, a terra não pode ser reproduzida como mercadoria pelo capital.

Os proprietários de terras somente obtêm lucros quando podem tributar sobre o uso de valores gerados pelo uso das terras. (p.32) Daí, o capital construtor enfrenta alguns problemas, como o investimento do capital que ficará imobilizado, a cada novo empreendimento, um novo terreno, as condições de construtibilidade devem ser consideradas como fator de aplicação do capital. Todavia, para que houvesse condições do capital construtor ser aplicado, à espera de uma rentabilidade que poderia chegar até 20 anos, era preciso que esse capital estivesse envolvido num sistema, definido pela dominação/subordinação. Entram em cena diferentes tipos de agentes. O proprietário do terreno, o construtor, o financiador, o investidor e o usuário, todos integrantes no processo de produção, circulação e consumo da moradia. (Ribeiro & Pechman, 1983)


Rio de Janeiro: contexto histórico e a crise imobiliária.


A crise da moradia nas cidades européias é uma conseqüência do capitalismo, devido à rápida expropriação das famílias de camponeses e a inexistência de uma estrutura habitacional mínima que atendesse a todos os trabalhadores que migravam para as cidades á procura de trabalho.

No caso do Rio de Janeiro, a questão da moradia foi determinada pela queda do sistema cafeeiro de São Paulo, a abolição da escravatura e da aceleração do desenvolvimento da manufatura industrial nos últimos trinta anos do século XIX. Com isso, houve um aumento da oferta de mão-de-obra, negros libertos e um enorme contingente de imigrantes, que migrava para os grandes centros urbanos. Nesse ínterim, o Estado, já havia proporcionado uma melhoria no sistema sanitário da capital federal.

Com o crescimento da mão-de-obra, crescem também os problemas da cidade. A deficiência no setor imobiliário, com poucas moradias disponíveis acabaria por provocar o aparecimento dos cortiços, casas coletivas, estalagens, vilas operarias, entre outros. Morar no Rio de Janeiro, próximo ao centro da cidade era fundamental. O Rio de Janeiro já possuía um sistema de transporte implantado, uma vida urbana muito concentrada. Além disso, segundo Ribeiro & Pechman, a relação emprego/moradia era intimamente ligada e a dependência de um transporte acarretava custos. (p.46)

Enquanto os cortiços eram a solução para uns, para outros eram lucros. Um emaranhado de portinhas e janelinhas, conforme assim descreve Ribeiro e Pechman, havia uma sala onde se recebiam as visitas, passavam-se as roupas e outros assuntos mais. (p.50) Entretanto, esse tipo de moradia espalhava-se pela cidade, pelo baixo custo de aluguel e pelo retorno rentável e imediato ao proprietário do imóvel. Em contrapartida, a proliferação de epidemias pela cidade do Rio de Janeiro tornou a cidade insalubre. Quando as epidemias ultrapassaram os limites dos Bairros populares para os bairros ricos, a situação tomou a atenção do Estado e da imprensa. O Estado intervém, instaurando serviços sanitários para erradicar as epidemias, interferindo sobre a ocupação do espaço urbano. Chega então à conclusão que a erradicação das epidemias seria acabar com os cortiços, criando-se moradias populares higienizadas. (Ribeiro & Pechman, 1983)


Política de habitações higiênicas para operários, empregados subalternos e pobres.


As moradias coletivas, os cortiços e estalagens foram suportados no Rio de Janeiro para que servissem como meios de reter a mão-de-obra que a cidade necessitava. Contudo, chega um momento que esse tipo de moradia passa a causar problemas para a elite dominante, que aplicara seu capital nesse, através das epidemias, por exemplo, e, exige do Estado uma política habitacional que contemplasse à classe operaria e extinguisse o risco dessas epidemias. Se acabar com os cortiços e construir moradias descentes e higienizadas para a massa trabalhadora seriam a solução para tornar a cidade do Rio de Janeiro menos insalubre – era preciso que alguma empresa, fosse pública ou privada possuísse recursos econômicos, capital para investir e, ainda mais, um bom plano habitacional.

O Estado, desde 1853, tinha projetos que visavam a expansão das moradias coletivas no centro do Rio de janeiro. Essas áreas eram consideradas nobres, de um valor já considerado por alguns fundiários para no futuro especular no mercado. Todavia, o Estado não havia elaborado nenhum programa habitacional, mas procurou o capital privado, através de concessões, tentou estimular a construção de moradias higiênicas para os pobres. Os empresários não demonstraram interesse, pelo contrário, fizeram-se rogados. Os capitalistas não se interessaram pela proposta do governo alegando que as concessões eram irrisórias e temiam colocar em risco seus investimentos. (Ribeiro & Pechman, 1983) A construção de moradias para as classes operárias somente e sempre passou pela concessão de benefícios fiscais do Estado para as grandes empresas do setor imobiliário. Em 1895, algumas companhias fluminenses de tecelagem decidiram investir na construção de vilas operarias com moradias higiênicas. Embora fosse rentável, a produção capitalista de moradias, esse setor não prosperou ainda no século XIX, em virtude da concorrência desleal com os corticeiros, que não empregavam quase nenhum capital no aluguel dos imóveis.

República Velha: o Estado, os cortiços e os corticeiros.

No inicio da República Velha, uma lei municipal determinava que a construção de moradias nas áreas nobres do Rio de Janeiro deveria obedecer alguns critérios. Todavia, a lei restringia somente ao funcionamento das estalagens, mas reconstruí-las era permitido. (Ribeiro & Pechman, 1983) Para tentar burlar a lei, os proprietários de cortiços se organizaram numa agremiação corporativa de proprietários de prédios.

Os proprietários de cortiços e estalagens apelaram ao Estado contra as leis sanitárias que colocavam como impróprias as moradias consideradas danosas à saúde pública e protestavam sob a alegação do desrespeito do governo ao direito à propriedade. Fechamentos repentinos de algumas estalagens poderiam também trazer à tona a irritação dos inquilinos, que ora, despejados, não teriam outros meios de providenciar acomodações baratas num curto prazo.


As zonas urbanas: reformas e origem das favelas.


O crescimento da economia, propiciada pelas atividades portuárias e a ascensão do capital nacional e sua adesão ao capital internacional fez com que o meio urbano exigisse uma reorganização. Em 1902, o prefeito, Antônio Pereira Passos, nomeado pelo presidente da República, Rodrigues Alves, baixou leis extremas para tentar remodelar a cidade do Rio de Janeiro. Entre outras realizações, o prefeito Passos, dividiu a cidade em zonas, imputando a mentalidade “civilizatória”, assim como nas grandes cidades européias, onde a elite era a classe considerada civilizada. As zonas insalubres foram deixadas para a massa pobre. A prefeitura do Rio de Janeiro proibiu as obras de melhorias nos cortiços. Criava-se assim uma enorme quantidade de pessoas pobres desabrigadas. Com a escassez de moradias, os aluguéis no centro do Rio de Janeiro subiram assustadoramente, tornando-se inacessíveis às camadas populares. (Ribeiro & Pechman, 1983) A origem das favelas tem suas raízes nas deficientes políticas habitacionais de cidades em processo de industrialização, segundo afirma Ribeiro & Pechman. Nesse ínterim, apenas na década de 1940 é que o Estado entrará em cena com uma política voltada para o saneamento do déficit habitacional. Mas, a intervenção do Estado, estará voltada para os interesses do capital e da classe dominante.


Referências bibliográficas

RIBEIRO, Luis César de Queiroz, PECHMAN, Robert Moses: O que é questão de moradia. São Paulo: Editora Brasiliense. 1983

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